A INCONVENCIONALIDADE DO CRIME DE DESACATO À LUZ DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS

Thiago Lima Medeiros SILVA

Resumo


O caso Palamara Iribarne se notabilizou por representar importante precedente da
Corte IDH contra as denominadas leis de desacato, que acabam por autorizar,
segundo a Corte IDH, a persecução penal de forma desproporcional e desnecessária
com o fim de inibir o direito à liberdade expressão. Esse entendimento também foi
adotado pela Comissão Interamericana, primeiro em 1994, no Caso Horacio Verbitsky
vs. Argentina, posteriormente no Informe sobre a Compatibilidade das Leis de
Desacato com a Convenção Americana de Direitos Humanos (1995) e, por fim, na
Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão (2000), cujo art. 11
estabelece que as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos,
geralmente conhecidas como leis de desacato, atentam contra a liberdade de
expressão e ao direito à informação. Ocorre que, ao contrário do que se costuma
afirmar, a inconvencionalidade do crime de desacato não fomenta nem permite que
os cidadãos agridam a honra de funcionários públicos e fiquem impunes por esta
conduta, já que o Sistema Interamericano entende que as leis de desacato não podem
ser utilizadas para calar o cidadão que deseja exercer o seu direito de crítica em
relação às instituições estatais e seus funcionários, além do que a honra do
funcionário público trata-se de bem jurídico que requer proteção penal na mesma
proporção à destinada ao cidadão comum. Ainda, o juiz da Corte IDH, García Ramírez,
apresenta, em seu voto no julgamento do Caso Palamara, que o tipo penal do
desacato incide sobre a liberdade de análise e de expressão do cidadão, legitimando
a repressão indevida mediante a figura delitiva, configurando-se em ameaça, o que
ocasiona um efeito resfriador (chilling effect) no direito à liberdade de expressão. Esse
efeito consiste na autocensura realizada pelos próprios agentes comunicativos que,
receosos, acabam por evitar adentrar em assuntos polêmicos ou deixam de se
expressar da forma que gostariam. O STF já teve a oportunidade de se manifestar
sobre a constitucionalidade do crime de desacato quando julgou a ADI 1.127, tendo
decidido pela inconstitucionalidade parcial do preceito contido no EOAB (art. 7º, §2º),
que estabelecia imunidade profissional ao advogado para o eventual cometimento do
crime de desacato quando no exercício de suas funções, admitindo apenas a
imunidade parcial para os crimes de injúria e difamação. Contudo, importante ressaltar
que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo impetrou habeas corpus ao STJ.
Assim, em uma análise jurisprudencial, conclui-se pela inconvencionalidade do crime
de desacato, pois a existência do tipo penal acarreta na desigualdade entre agentes
públicos e particulares, o que inaceitável no Estado Democrático de Direito e pela
Convenção Americana, pois a punição do uso de linguagem e atitudes ofensivas
contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham
de usufruir do direito à liberdade de expressão por temor de reprimendas de ordem
penal.


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