O CRIME DE DESACATO E SUA COMPATIBILIDADE COM A CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo a discussão sobre a compatibilidade do crime de desacato com a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Tal discussão surge no Brasil após dois julgamentos conflitantes do Superior Tribunal de Justiça. No primeiro, ocorrido em dezembro de 2016, o referido Tribunal entendeu que o desacato seria incompatível com o artigo 13 do Pacto de San José. No segundo, ocorrido em maio de 2017, o Tribunal entendeu que o desacato seria compatível com o artigo 13 do referido Pacto. No entanto, o entendimento da Comissão e da Corte Interamericana sobre a incompatibilidade das “leis de desacato” deve prevalecer, considerando: a autoridade interpretativa da Corte Interamericana de Direitos Humanos; o precedente do caso Palamara Iribarne vs. Chile; a eficácia de norma convencional interpretada erga omnes (res interpretata) das sentenças da Corte Interamericana; o não preenchimento das condições que autorizam a restrição à liberdade de expressão (teste tripartite); a não observância do princípio pro-homine da Convenção Americana, bem como do princípio pacta sunt servanda da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados de 1969. O crime de desacato tem sua origem no Direito Romano por meio da iniuria atrox, delito semelhante que consistia na ofensa dirigida aos magistrados. Posteriormente, tal delito estaria presente nas Ordenações do Reino e no Código Criminal do Império, como forma de punir as injúrias contra autoridades públicas. Posteriormente, os Códigos Penais de 1890 e 1940 passam a prever propriamente um crime de desacato, que é estudado em seus principais elementos. O controle de convencionalidade, mecanismo de aferição da compatibilidade entre uma norma nacional e um tratado de direitos humanos, tem sua origem na França, no âmbito da Convenção Europeia de Direitos Humanos, e é importado para o Sistema Interamericano de Direitos Humanos a partir do julgamento do caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala em 2003 e passa por uma evolução jurisprudencial desde então, determinando-se a obrigatoriedade do controle interno de convencionalidade com o caso Almonacid Arellano vs. Chile em 2006, além da ampliação dos tratados adotáveis como parâmetro, a ampliação do dever de controle para outros poderes nacionais.