A INCOMPATIBILIDADE DAS LEIS DE AUTOANISTIA COM A CONVENÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS HUMANOS

Luiz Antonio de BRITTO JUNIOR

Resumo


Os Estados que ratificaram a Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH)
vincularam-se às suas obrigações, de modo que possuem o dever de investigar e
punir violações de direitos humanos como medida de reparação aos danos
ocasionados, consoante art. 1.1 e 2, da CADH. Ocorre que ao apreciar o Caso Barrios
Altos vs. Peru, a Corte IDH enfrentou, pela primeira vez, a temática das leis de
autoanistia, que se constituem obstáculos ao dever de investigar e punir, obrigações
basilares oriundas da CADH. Nessa oportunidade a Corte IDH afirmou serem
inadmissíveis as disposições de anistia, prescrição e o estabelecimento de
excludentes de responsabilidade que visavam impedir a investigação e punição dos
responsáveis por graves violações de direitos humanos, tais como tortura, execuções
sumárias, extralegais ou arbitrárias e desaparecimento forçados, pois violam direitos
inderrogáveis, reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos (Mérito,
§4º). Em especial às leis de autoanistia, a Corte IDH ainda ressaltou que elas
conduzem à vulnerabilidade das vítimas e à perpetuação da impunidade, já que
prejudicam a identificação dos responsáveis pelas violações de direitos humanos e
obstruem as investigações e o acesso à justiça das vítimas e seus familiares, que têm
o direito de conhecer a verdade e de receber a reparação correspondente (Mérito,
§43). À vista disso, a Corte IDH considera as leis de autoanistia incompatíveis com a
CADH, visto que representam obstáculo à investigação dos fatos e à punição dos
responsáveis (Mérito, §44). Sobre a questão, importante destacar o voto do juiz
Cançado Trindade no julgamento do Caso Barrios Altos, de modo que, segundo o
magistrado, a vigência das leis de autoanistia cria, per se, situação que afeta de forma
continuada direitos inderrogáveis, que pertencem ao domínio jus cogens. Ainda, não
se considerou apenas as leis de autoanistia incompatíveis com a CADH, mas, afirmouse,
em obter dictum – já que tal argumento era desnecessário para resolver o mérito
do Caso Barrios Altos -, que as disposições sobre prescrição não podem, igualmente,
impedir a investigação e a punição de autores de crimes que impliquem em graves
violações de direitos humanos, o que foi reiterado, posteriormente, no Caso Bulacio
vs. Argentina, dessa vez como ratio decidendi do julgamento. Assim, utilizando-se da
análise de caso, verifica-se que os Estados, uma vez vinculados às obrigações
decorrentes da Convenção Americana, possuem o dever de investigar e punir os
responsáveis por violações de direitos humanos, sobretudo as graves violações,
características de regimes ditatoriais dos quais se dão origem as leis de autoanistia.
Essa incompatibilidade da remissão aos autores de graves violações de direitos
humanos está calcada no princípio pro persona e do desenvolvimento progressivo,
pois, não só a CADH, mas todo instrumento jurídico deve ser interpretado e aplicado
no melhor interesse da pessoa humana, não sendo legítima posturas que visem o
retrocesso social e jurídico (art. 26, CADH).


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