EU FUGI DA ESCURIDÃO POR TANTO TEMPO, APENAS PARA ME ENCONTRAR EM UM LUGAR AINDA MAIS ESCURO: VANESSA IVES E O PSIQUISMO OBSTRUÍDO

Antonio Vitor Silva e LIMA, Angelo Luiz FERRO

Resumo


O presente artigo tem como objetivo pensar em uma possível análise da personagem Vanessa Ives, da série estadunidense Penny Dreadful (2014), sob a ótica da psicanálise freudiana. Para tal, serão contextualizados tanto o enredo do seriado e da personagem analisada quanto alguns conceitos freudianos, com ênfase nestes: histeria, fantasia, trauma, teoria pulsional e mecanismos de defesa do ego.Entende-se que, como obra ficcional, o seriado Penny Dreadful busca inspiração em elementos históricos, folclóricos, literários e em movimentos identitários e estéticos, tendo como referências histórias como O Médico e o Monstro e O Retrato de Dorian Gray, respectivamente escritos por Robert Louis Stevenson e Oscar Wilde, além da ambientação na Londres vitoriana e um apelo visual à subcultura gótica das obras de outros escritores, como Bram Stoker e Edgar Allan Poe. Em resumo, trata-se de uma obra que homenageia a cultura e folclore da Inglaterra do século XIX, sendo o próprio título da série uma referência às histórias de terror, curtas e baratas, que eram publicadas na época e consumidas principalmente pelos trabalhadores industriais ao valor de “one penny”. Mas onde se encaixa a psicanálise nisso? Será que ela também recebeu sua parcela de homenagens? A personagem a ser analisada neste artigo pode, com as devidas liberdades interpretativas, ser entendida como uma grande homenagem à psicanálise freudiana, o qual seus primeiros escritos estão datados no final do século XIX, no período conhecido como pré-psicanalítico (Mezan, 2014), uma vez que apresenta características em sua história muito parecidas com o que foi retratado em alguns casos públicos de Freud, como o Caso Dora, cujo texto chama Fragmentos da Análise de um Caso de Histeria (1905/1996), e pelo fato de ela, em determinado momento da série, ter apresentado sintomas muito semelhantes aos das histerias tratadas pelo psicanalista. Além disso, Vanessa Ives sofre as mesmas torturas às quais alguns pacientes foram submetidos em instituições de saúde neste momento de pré-psicanálise. Em suma, pretende-se, por meio desta análise, debruçar-se sobre as referências freudianas presentes em uma personagem que, apesar de sua origem fictícia, apresenta fortes conexões com a realidade, sobretudo com a psicanálise enquanto ciência. Para atender a este propósito, buscar-se-ão referências nas obras de Sigmund Freud, seus estudos de caso e artigos a fim de complementar o embasamento teórico para o que será apresentado.Esta breve análise nos elucida a respeito de alguns termos psicanalíticos freudianos em correspondência a uma obra, cuja protagonista é matéria prima riquíssima de detalhes e conceitos e ilustra de forma primorosa a complexidade humana sobretudo seus medos e reações a determinados conteúdos inconscientes e como o embate entre diferentes partes componentes da psique humana (id, ego e superego) são motrizes para o sentir e agir. Também foi possível analisar os mecanismos de defesa e constituição do eu à medida em que estes, foram constituídos de maneira obstada, estão fragilizados por causa dos sintomas e busca a todo custo recalcar os objetos pulsionais, cujos desejos e satisfações seriam socialmente intoleráveis. Este fato se justifica, invariavelmente, por causa de questões sociais que interferem em sua vida psíquica a ponto de se tornarem impasses conflituosos. Vanessa, mesmo enquanto personagem fictícia, é também um retrato de tantas mulheres do período histórico em que a série se passa – século XIX, era vitoriana - e para além disso, nos serve como um modelo das dinâmicas psíquicas presentes em todo sujeito, independente do gênero e época – fazendo alusão à contemporaneidade -, conferindo assim um caráter atemporal à personagem, quanto a sua representação. Cabe ressaltar que a dinâmica inconsciente é compreendida como atemporal, uma vez que o sistema inconsciente é regido pelo princípio do prazer e processo primário – quando a noção de tempo não existe no psiquismo do sujeito -, pelo qual a realidade externa é subordinada à economia pulsional, ou seja, à regulação entre prazer e desprazer. A atemporalidade corresponde a uma regra do inconsciente, as outras duas correspondem a busca pela felicidade contínua e inacabada e compulsão à repetição. Com este trabalho, buscou-se uma elucidação acerca do funcionamento do aparelho psíquico segundo os pressupostos da psicanálise freudiana, utilizando como recurso documental midiático um episódio de uma série em formato narrativo, fomentando dessa forma, a identificação do público com os temas abordados através da personagem Vanessa.

 


Palavras-chave


Psicanálise freudiana. Teoria pulsional. Histeria.

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