“LIVRE DAS CORRENTES E DA ESCRAVIDÃO”: A CONVERSÃO RELIGIOSA NO RELATO DE UM EGRESSO DO SISTEMA PRISIONAL

Nilton César FERREIRA, José Artur Teixeira GONÇALVES

Resumo


O presente trabalho tem como objetivo analisar o discurso de um egresso do sistema carcerário e pastor de denominação cristã-pentecostal, deslindando o sentido dado pelo protagonista à sua experiência de conversão religiosa, identificada como fator de reintegração social. A metodologia adotada foi a Análise do Discurso de orientação francesa. O estudo examinou quais eram os efeitos de sentido que circulavam no discurso contido em uma produção testemunhal, acerca da experiência de conversão religiosa, considerada como “decisiva” para o processo de reintegração social. O que apreendemos imediatamente é que a existência do sujeito cristão-pentecostal surge a partir do embate religioso que significa “o velho homem”, que vivia segundo a natureza humana, e “a nova criatura”, que passou a existir com Deus. Assim, o interlocutor, a princípio, é induzido a se deparar com a causalidade entre “andar” com “pessoas do tráfico”, “usar drogas” e “viver na criminalidade”. Além disso, o sujeito religioso (re)produz uma degradação física que compromete a sua vida e, por deslizamento, a vida da sua família. A partir daí, verificamos uma FD de alguém que “já está fora” do tráfico, até porque a relação de causalidade normalmente é produzida por um senso comum, sobretudo, pelo discurso religioso. Nessa confluência, as representações imaginárias, como por exemplo, a figura do “diabo”, são recorrentes no discurso próprio de conversão religiosa. Assim, o “chamado” de Deus, não diferente dos contos de fadas, em que o antagonista ocupa a centralidade do conflito, é marcado comumente pelas adversidades, quer dizer, quando até o “diabo” tende a se manifestar. O sujeito pastor, por sua vez, só pode recontar a sua experiência devido à sua capacidade de ocupar o lugar de quem, outrora, foi um “criminoso”. O que justifica um discurso organizado de forma a estabelecer, nessa recontagem, ou memória, a visão do diabo e depois a visão de Deus como o ponto mais alto no processo de conversão. Tudo aquilo que o narrador ouve ou vê contribui, por deslizamento, para que outras pessoas na mesma situação enxerguem ali a “salvação”. Nessa narrativa, os discursos sobre o bem versus mal, Deus versus Satanás, constroem de maneira bastante convincente o único lugar possível com o qual o interlocutor deve se identificar e ser movido a ocupar: o lugar do crente.

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