DIREITO AO ABORTO: UMA QUESTÃO (AINDA) A SER RESOLVIDA
Resumo
O direito à interrupção voluntária da gestação é tema sobre o qual a discussão vem ganhando fôlego no debate público brasileiro contemporâneo, sobretudo com a emergência dos movimentos feministas, que o reivindicam. Não por acaso, tramita, atualmente, no Supremo Tribunal Federal (STF), a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, na qual se questiona de forma parcial a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal brasileiro, que vedam, sob pena de prisão, a provocação de aborto em si mesmo ou consentir que outro o provoque e o aborto com o consentimento da gestante, respectivamente. Com o julgamento da ADPF, requer-se a descriminalização do aborto, caso seja ele realizado até a 12ª semana de gestação. No contexto brasileiro, embora a interrupção da gestação, na contramão da experiência da maioria dos países desenvolvidos, ainda seja criminalizada, a pretexto de proteger a vida do embrião ou do feto, pelo referido diploma legal nacional, salvo exceções – quando ela se torna a única alternativa à vida da gestante; quando a própria gestação decorre de estupro; e em casos de anencefalia –, estima-se que, no Brasil, aconteça 1 milhão de abortos induzidos, conforme o Ministério da Saúde. Isso implica dizer, de início, que o aborto é, apesar da vedação legal imposta, corrente na vida reprodutiva das mulheres comuns brasileiras, conforme pontua a antropóloga Debora Diniz. Mergulhado nesse cenário, mediante revisão bibliográfica, chegou-se às seguintes constatações em relação à criminalização posta, ainda que parciais: (i) à luz da Constituição Federal de 1988, violam-se preceitos fundamentais, tais quais a cidadania, a não discriminação, a inviolabilidade da vida, a liberdade, a igualdade, a proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, a saúde; (ii) em afronta à soberania sobre si mesmo, institui-se o que se pode chamar de “gravidez compulsória”, impondo-se à mulher o fardo inelutável de levar a termo uma gestação, mesmo que a contragosto, como se a maternidade fosse seu destino biológico; (iii) sendo o Brasil uma democracia constitucional laica, a sua persistência, sob forte pressão religiosa, vai de encontro ao pluralismo, à liberdade de consciência e de crença, pondo-se em xeque a razoabilidade constitucional de sua proibição, ainda mais considerando o já falido sistema prisional brasileiro; (iv) todos os anos, muitas mulheres brasileiras, principalmente as socialmente mais vulneráveis, recorrem a abortos clandestinos e inseguros ou a procedimentos medicamentosos sem o devido acompanhamento profissional, colocando em risco a própria vida, constituindo-se a 5ª maior causa de morte materna no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. A criminalização do aborto, então, pela lei penal brasileira, se figura como uma resposta equivocada para um problema social deveras mais complexo.